18 de abril de 2011

Como é fugir?

A madeira crepitava servindo de único ruído na sala escura e fria. Rita e Guilherme estavam sentados na carpete entre o fogo e o sofá, sem pronunciarem uma única palavra, sem moverem um único músculo dos seus corpos, apenas encaravam a luz e sentiam o silêncio que os cercava. De tempo em tempo, levavam a chávena de chocolate quente até aos lábios, mas com os menores movimentos possíveis. Nada podia destruir aquela atmosfera que os envolvia.
Rita suspirou e, por fim, os seus lábios gesticularam como que um gemido – Como é fugir? O olhar de Guilherme deixou o tremeluzir e as sombras que eram criadas nas paredes à sua volta, e pela primeira vez os seus olhares cruzaram-se. O silêncio permaneceu durante mais alguns segundos – Solitário… – acabou Guilherme por considerar. Mais um momento de silêncio invadiu o espaço entre os dois, mas Guilherme, curioso com a pergunta, questionou – Nunca fugiste? Rita posou a sua chávena, encolheu-se e, com um suspiro, respondeu - Uma vez, tinha sete anos. Eu e a minha irmã tivemos uma discussão e os meus pais ficaram do lado dela.
- Qual foi a razão da discussão? – Guilherme ouvia com atenção, tendo o seu olhar direccionado apenas para Rita que enquanto recordava os seus tempos de infância, deixava o seu olhar navegar pelas chamas que a consumiam. - Só sei que foi uma enorme injustiça, pois os pormenores não me recordo. A questão aqui foi que eles apoiaram-na e não a mim, por isso fiz uma sanduíche e fugi. – Rita ao relembrar-se do acontecido liberta um ligeiro riso. Para onde foste? – Questionou Guilherme na procura de a descobrir.
- Para o cinema. Era a estreia de um filme de desenhos animados que eu adorava. Tinha uma princesa e todos cantavam… Contudo, senti-me sozinha, por isso comi a minha sanduíche e voltei para casa.
- Quando voltaste, os teus pais estavam muito preocupados?
- Eles nem notaram que eu havia fugido. Guilherme baixou o seu olhar. O silêncio mais uma vez permaneceu, mas desta vez por pouco tempo, pois Guilherme logo encarou Rita e pediu-lhe: Fazes-me um favor?
- Qual?
- Se voltares a sentir vontade de fugir, liga-me antes, ok?
- Ok. Um leve sorriso soltou-se dos seus lábios.
Desta vez o silêncio ficou, pois mostrava toda a calma de espírito e tranquilidade que ambos sentiam. Um sorriso mútuo foi sentido, após uma doce troca de olhares e as suas mãos entrelaçaram-se, deixando-se ficar onde estavam…

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 São destes momentos que eu tenho saudades...

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